domingo, janeiro 07, 2007

Pois os pensamentos são uma coisa estranha. Muitas vezes não passam de acasos que desaparecem sem deixar rastos; Os pensamentos têm épocas de viver e épocas de morrer. Pode-se ter uma ideia genial, e ainda assim, como uma flor, ela murchará lentamente entre as nossas mãos. Permanece uma forma, mas faltam as suas cores e o seu aroma. Isso significa que, embora posteriormente nos lembremos bem dessas ideias, palavra por palavra, e o valor lógico da frase permaneça inalterado, ela apenas flutua desorientada na superfície do nosso interior, e já não nos sentimos enriquecidos por possuí-la. Até que - talvez anos depois - de súbito surge o momento em que vemos que, naquele meio tempo, nada sabíamos sobre ela, ainda que, do ponto de vista da lógica, soubéssemos tudo.
Sim, há pensamentos mortos e pensamentos vivos. O raciocínio que se move na superfície iluminada, que a qualquer instante pode ser conferido pelo fio da causalidade, não é necessariamente o pensamento vivo. Um pensamento que se encontra por esse meio permanece indiferente, como um homem qualquer a marchar numa fila de soldados. Um pensamento - mesmo que tenha passado pela nossa mente há muito tempo - só viverá no instante em que alguma coisa, que já não é o pensar, que já não é a lógica, se acrescenta a ele, de modo que sentimos a sua verdade para além de qualquer justificação, como uma âncora que dilacera a carne viva e ensanguentada...uma grande compreensão só se realiza pela metade no círculo de luz da nossa mente; a outra metade realiza-se no solo escuro do mais íntimo de nós e é, antes de mais nada, um estado de alma em cuja porta extrema, como uma flor, pousa o pensamento.
Robert Musil - O Jovem Torless

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