terça-feira, janeiro 09, 2007

Era o que sentia agora. Lembrava-se de uma terrível convulsão no seu interior, algo para cuja explicação todos os meios de que dispunha por enquanto eram insuficientes.
Portanto, concluiu, deve ter siso alguma coisa muito mais necessária e profunda do que se pode avaliar com a razão e os conceitos...
E aquilo que existira antes da paixão, que fora recoberto por ela, a coisa real, o verdadeiro problema, estava enraizado nele. Aquela perspectiva alternada de longe e perto, que ele experimentara. Aquela relação incompreensível que dá a factos e coisas valores súbitos, conforme o nosso ponto de vista, e que são inteiramente estranhos e incomparáveis entre si...
Isso e tudo o resto - ele via-o singularmente, nítido, puro e pequeno. Assim como vemos pela manhã, quando os primeiros e puros raios de sol secaram o suor do medo, e a mesa, o armário, o inimigo e o destino se recolhem novamente às suas dimensões naturais.
Mas tal como nesse caso permanece em nós uma leve lassidão pensativa, também assim acontecia com Torless. Agora ele sabia distinguir entre o dia e a noite; na verdade sempre soubera; apenas, um pesadelo deslizara sobre essas fronteiras, confundindo-as, e ele envergonhava-se dessa confusão. Contudo, a lembrança de que podia ser diferente, de que existem ao redor do ser humano fronteiras finas, facilmente extinguíveis, e de que sonhos febris se esgueiram em torno da nossa alma, corroendo os muros firmes e abrindo sulcos sinistros - essa lembrança acomodava-se no fundo dele e irradiava as suas pálidas sombras.
Robert Musil - O Jovem Torless

1 comentário:

Jorge disse...

Estas citações são algo densas, mas interessantes não obstante.
Fica bem.