(...) A seguir pôs-se a falar do Primeiro de Maio. Aquele. O que teve lugar apenas uma semana depois do 25 de Abril. Aquele em que a cidade toda enlouqueceu e ainda estou para perceber como é que no fim não caímos ao chão para nunca mais nos levantarmos, fulminados por uma descarga de energia colectiva a que não é suposto os seres humanos sobreviverem. Depois pede à tua mãe que te conte. Eu não sou capaz. A tua mãe disse que dessa vez andara pelas ruas durante três dias. Nunca se lembrara de telefonar para casa. Não conseguia lembrar-se de grande coisa. Ou antes, corrigiu logo a seguir. Lembro-me muito bem de uma coisa. (...) Lembro-me de estar parada no passeio a ver desfilar a multidão, disse a tua mãe. E, de repente, pensei que estava a assistir ao Domingo de Ramos. (...) Pensei, disse a tua mãe. Pensei que estávamos a coroar um rei que íamos crucificar poucos dias mais tarde.
Clara Pinto Correia - Domingo de Ramos
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